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Portanto, cá está, a guerra que todos os meus amigos me dizem que me faltava na caderneta.
Mas isto não é sobre mim.
Desde o início de Outubro que o Líbano tem estado envolvido no conflito entre o Hamas e Israel, através do Hezbollah, com conflitos ao longo da fronteira, que já reclamaram as vidas de inúmeros elementos deste lado da fronteira.
Recentemente, Israel fez uma incursão até aos subúrbios a sul de Beirute, para eliminar um alto membro do Hamas, destruindo parte de uma zona residencial. Esse foi um momento interessante, com inúmeras mensagens e chamadas a perguntar se já estavávamos a caminho de Portugal. Mais uma vez, isto não é sobre nós: aqui estão a morrer jornalistas, militantes e civis, num constante ataque, algumas vezes aparentemente indiscriminado, imediatamente respondido, que os analistas dizem enquadrar-se nas rules of engagement. Será?
A maior parte dos libaneses dir-vos-á que o Líbano não está em guerra. Que é só o sul, que é complexo. Que o Hezbollah está a agir sozinho. Mas o Hez tem representação no governo libanês. Imaginem que o PCP começava a bombardear Espanha. E Espanha começava a dizimar Badajoz, mas só Badajoz. Portugal estaria em guerra com Espanha, tão simples quanto isso. Como sempre, aqui, nada é simples, principalmente quando um partido político tem mais poder bélico que o exército do país de onde opera...
Eu digo-vos que, neste momento, vivo num país em guerra. As bombas podem não estar a cair no malfadado porto, aqui tão perto, ou no aeroporto, mas a destruição no sul é inegável. Se se vai espalhar? É impossível dizer.
O que podemos dizer é que a economia do Líbano, já tão abalada pelos inúmeros eventos recentes e pela falta de governo e presidente (sim, ainda), está-se a ressentir. Passámos pela fase das estradas fluidas em hora de ponta (o que significa muito para quem conhece o trânsito infernal de Beirute), pelo aeroporto vazio, pelas lojas e restaurantes recém-abertos para a época natalícia a fechar. Ninguém diria, pelos restaurantes apinhados há duas semanas, pelas guest houses (com preços que não quadram com a realidade do país) sem vagas, pelos centros comerciais com pouco espaço caminhável vago.
Mas isto é o Líbano, uma esquizofrenia que de alguma forma puxa e engana o visitante incauto ou ocasional. Não se passa nada em Beirute, não se passa nada no norte, está tudo bem.
Ou assim nos parece em conversas ocasionais. "Eu vivo a um quilómetro da fronteira, queres vir para um barbecue?". Não dude, se calhar não.
A verdade é que tudo isto é uma espécie de show-off inconsequente porque estamos todos, do norte ao sul, à espera. Os militantes (ou terroristas, dependendo em que zona do mundo vivemos), os civis, os estrangeiros, estamos todos à espera do momento em que não se possa mais ignorar que o país está em guerra. Alguns terão passaportes que lhes permitam evacuar, outros terão mansões nas montanhas em zonas supostamente seguras, outros não terão nada e lidarão com o que viver em momento oportuno. Eu tenho o que convencionámos chamar os "enlatados da guerra". E um número de telefone que regerá o meu futuro.
Estamos todos à espera, um dia de cada vez, neste pedaço de terra amaldiçoado e abençoado em partes iguais, a que alguns de nós, por sorte ou destino, decidimos chamar Casa.
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