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Lembram-se de como era quando éramos miúdos?
Conseguem lembrar-se?
Como todas as possibilidades estavam em aberto?
Podíamos escolher o caminho. E o caminho parecia tão risonho, soalheiro. Tudo ia correr bem, íamos ter um impacto no mundo como nunca antes visto. Íamos acabar com as guerras, com a fome, descobrir a cura para o cancro e nunca, mas nunca teríamos de nos preocupar com dinheiro, horários, reuniões, aparências, conversas miudinhas… Nós íamos fazer a diferença!
E depois, vem a realidade. O trabalho que parece idílico mas que no fim não corresponde às nossas expectativas. Promete e acaba por dar tão pouco. Muito menos que aquilo que merecemos, muito menos que aquilo para o qual trabalhámos durante uma infindável vida académica. Que a única coisa que faz é colocar-nos um mísero montante na conta ao fim do mês. Que não nos permite sonhar porque não nos permite sobreviver mais do que esse mesmo mês. Que nos dá a confiança para construir para, em última análise, nos prender. Que nos submete a realidades que sabemos que não podem ser as nossas. Que nos suga, nos impede de ter reação. Sabem do que falo?
E quando esse trabalho, esse emprego, desaparece? Não porque não sejamos os melhores mas porque não temos as melhores influências, porque o nosso talento e a nossa capacidade mirram perante o sobrinho, o familiar ou o amigo? Sabem do que falo?
Quantos de nós renunciamos aos sonhos para alcançar aquilo que é exigido? Quantos de nós não fazemos aquilo que nos corre no sangue, que nos completa, que nos preenche o código genético em prol de correspondermos à imagem que os outros têm de nós? Ao protótipo.
E para quê? Para sermos tratados como produtos descartáveis? Para passarmos por estágios, períodos de experiência, contratos com e sem termo e, no fim, por despedimentos coletivos? Por torturas psicológicas, desconsiderações, faltas de respeito. Para nos dizerem, como ou sem palavras, que por muito bons que sejamos, haverá sempre alguém na fila à nossa frente. Porque somos demasiado letrados e, claro, demasiado caros? Porque não nascemos na família cujo nome nos garanta emprego?
Este é o retrato da minha geração. Poderia ser o meu. Foi o meu.
É também o retrato do país que se afoga em calmantes e antidepressivos só para aguentar o dia. Para aguentar o emprego que faz pouco mais do que roubar tempo ou para aguentar a falta dele. Aguentar e não lutar. Dormir.
Este é o meu país.
E isso é uma pena...
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