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Este país anda impróprio para cardíacos...
Durante a paralisação dos camionistas vimos coisas impensáveis para um país do chamado "Primeiro Mundo".
E nem falo do que se passou com os piquetes, com atropelamentos, ameaças claras, sem preocupação de se manterem veladas perante as câmaras de TV, apedrejamentos, tubos de gasóleo cortados, fogueiras feitas de pesados, camiões cisterna com escolta policial e dezenas de polícias de choque prontos a molhar a colher na sopa.
Falo do desespero, ainda que momentâneo, que alguns portugueses viveram ao longo destes dias. Filas imensas em gasolineiras na esperança de conseguir atestar o carro, para ir buscar os miúdos à escola, para irem trabalhar no dia seguinte. Nem o jogo de Portugal demoveu as centenas de carros que almejavam por algumas gotinhas do precioso líquido. Tudo para, em muitos casos, a poucos metros da bomba, vir o aviso de que já não havia nada e que não voltaria a haver até nova escolta policial trazer mais um cisterna ou até os camionistas decidirem voltar ao trabalho. Naquelas em que ainda havia algum combustível, chegou o racionamento, com dez euros de tecto máximo de abastecimento.
Nunca vi tanta gente nos supermercados, com carros tão cheios e rostos tão apreensivos. Uma senhora guiava dois carrinhos, um deles só para levar leite, ao mesmo tempo que em unidades de produção leiteira, esse mesmo leite era deitado fora por não haver condições de armazenamento.
Durante os três dias de paralisação centenas de quilos de alimentos pereceram dentro dos camiões que os deviam levar ao destino, como já tinha acontecido com as centenas de quilos de peixe deitados fora nas lotas durante a greve dos pescadores.
Algumas questões ficaram bastante claras no meio de todo este caos: a primeira é que certos sectores de que depende a economia podem de facto mergulhar um país na confusão e levar-nos a cenários próprios de guerras civis, mais ou menos graves. A segunda é que o governo cedeu porque teve receio de usar da força, de ser considerado anti-democrático mas também porque, se calhar, tem a consciência pesada. A contínua subida do preço dos combustíveis vai acabar por levar à falência muitas pequenas e médias empresas e vai, invariavelmente, trazer de volta a fome a casas onde ela não se faz sentir normalmente. E José Sócrates, ainda que pareça algo alheado de toda esta crise em escalada, sabe disso.
No meio de tudo isto, o futebol ia mantendo alguns ânimos mais ou menos serenados. Até que se descobriu que Scolari vai para o Chelsea. E aí, um pouco por todo o lado, caiu o carmo e a trindade. Porque em conjecturas negativas até a mais insignificante das coisas adquire proporções catastróficas, a saída de Scolari no final do Europeu afigura-se a muitos como uma traição, um enorme obstáculo a ultrapassar na corrida para ganhar o caneco.
A estocada final (será?) surgiu hoje por intermédio dos irlandeses. Não é que os gajos chumbam o tratado de Lisboa? Andava já Sócrates a ter sonhos molhados com a hipótese de se perpetuar o nome da nossa capital nos anais da política europeia e vêm os irlandeses puxar-nos o tapete. Os tais cujo país tem uma das maiores taxas de desenvolvimento da União Europeia. Pelos vistos também andam lixados com alguma coisa. E vai daí, 'bora lá demonstrar o nosso descontentamento através das urnas, colocando a Europa à beira de um ataque de nervos.
Numa altura em que andamos todos histéricos com a pseudo-crise dos Estados Unidos e com as consequências mundiais que daí poderão advir, afinal a Europa anda a dinamitar os próprios alicerces. Como que para provar que não precisamos da ajuda de ninguém para nos enterrar.
Sócrates veio classificar o "Não" irlandês como uma derrota pessoal.
Oh homem, então não achas que já andamos com poucas coisas em mãos para ainda andares a dizer essas coisas? Partilha lá a derrota desta vez que precisamos de ti com cabecinha liberta para resolver o que se avizinha. É que parece que agora o palco é dos taxistas e dos agricultores. Porque como em tudo, uma vez feita uma concessão, terão de vir muitas mais atrás. E nós que estávamos a recuperar tão bem do défice! Pois, parece que por estes dias se dá mais importância a ter comida na mesa do que à variação dos valores do défice.
Porque será?
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